DA ANUÊNCIA DO CÔNJUGE NO AVAL
EM OPERAÇÕES COM TÍTULOS DE CRÉDITO EM GARANTIA

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20 de dezembro de 2022

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A ausência de autorização conjugal, pode, em alguns casos, resultar na
incapacidade de cobrar o avalista, e ou de anulação ou invalidade do aval prestado
pelo outro cônjuge, ou, ainda, em afastar a constrição sobre a meação do cônjuge
que não participou do contrato e não firmou ou autorizou o aval.
Dúvidas e interpretações contraditórias surgiram por ter o Código Civil inserido em
seu texto, na parte que trata do Direito de Família, uma regra sobre Direito Cambial.
Sem dúvida infeliz a inserção de regra Cambial em Título do Código Civil de 2002
que trata de tema tão díspar, como o Direito de Família.
Vejamos o texto do Código Civil:
Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem
autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:
….
III – prestar fiança ou aval;
Art. 1.648. Cabe ao juiz, nos casos do artigo antecedente, suprir a outorga, quando um
dos cônjuges a denegue sem motivo justo, ou lhe seja impossível concedê-la.
Art. 1.649. A falta de autorização, não suprida pelo juiz, quando necessária (art. 1.647),
tornará anulável o ato praticado, podendo o outro cônjuge pleitear-lhe a anulação, até
dois anos depois de terminada a sociedade conjugal.
Parágrafo único. A aprovação torna válido o ato, desde que feita por instrumento
público, ou particular, autenticado.
Art. 1.650. A decretação de invalidade dos atos praticados sem outorga, sem
consentimento, ou sem suprimento do juiz, só poderá ser demandada pelo cônjuge a quem
cabia concedê-la, ou por seus herdeiros.
Como visto, pelo texto expresso no art.1.650 do Código Civil, só o cônjuge daquele
que prestou o aval, ou seus herdeiros, tem legitimidade para demandar a invalidade
do aval; não admitido a terceiros alegar.
Tem-se, em consequência, que o aval sem a autorização do cônjuge do avalista não
é nulo de plano, mas sim, que poderá ter sua validade impugnada pelo cônjuge que
não firmou o título, sendo caso de anulabilidade; tanto que o cônjuge poderá anuir,
autorizar, a posteriori. E o poderá fazer, conforme previsão do art.1.649 da mesma
legislação civil codificada, por declaração em instrumento público ou mesmo por instrumento particular, neste caso exigido o reconhecimento de firma em cartório, da
assinatura.
Destaca-se, que o Art.1.647 do Código Civil de 2002 traz expresso o termo
“autorização”, e não procuração ou qualquer outra forma instrumental.
Referido texto do Código Civil, inserido no Título do Direito de Família, demonstra
que a finalidade perseguida pelo legislador foi resguardar o patrimônio da mulher
casada, preservando a sua meação.
Impediu assim que cobranças ajuizadas contra seu marido, de dívidas não
efetivadas em proveito da família, venham atingir a sua meação. Para tanto, o
legislador colocou à disposição da mulher casada mecanismos legais, para em caso
da mulher se ver na iminência de perder o controle patrimonial dos bens adquiridos
pelo esforço comum, possa fazer valer a lei defendendo a sua meação contra a ação
dos credores que inadvertidamente não exigiram sua autorização expressa.
Contudo, chamamos a atenção para o fato de que a ausência de outorga uxória, não
tem o condão de tornar nula a garantia em relação a quem a prestou, mas apenas
impede que o cônjuge que não anuiu seja responsabilizado, com sua meação no
patrimônio do casal, por dívida com a qual não consentiu; não autorizou.
Previu o legislador civil, com tais medidas, limitações legais ao poder de
administração dos cônjuges sobre o patrimônio comum, visando equilíbrio e
segurança à sociedade conjugal e ao patrimônio familiar.
Não se descuidou o legislador, contudo, de manter as premissas que visam
preservar a boa-fé nas relações contratuais, em especial a função social dos
contratos.
O Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, na “I Jornada de
Direito Civil”, aprovou enunciado n.114:
” caracteriza a inoponibilidade do título ao cônjuge que não assentiu com a
garantia O aval não pode ser anulado por falta de vênia conjugal, de modo que o
inciso III do art. 1.647 apenas prestada.”
Entre os ensinos doutrinários que formaram as justificativas da expedição do texto
do referido enunciado, resta claro a preocupação de que o legislador Civil não
poderia desconsiderar os princípios regrados na Lei Uniforme e na legislação
cambial, destacando-se:
“Exigir anuência do cônjuge para a outorga do aval é afrontar a Lei Uniforme de
Genebra e descaracterizar o instituto. Ademais, a celeridade indispensável para a
circulação dos títulos de crédito é incompatível com essa exigência, pois não se
pode esperar que, na celebração de um contrato corriqueiro, lastreado em cambial
ou duplicata, seja necessário, para a obtenção de um aval, ir à busca do cônjuge e
da certidão do seu casamento, determinadora do respectivo regime de bens”.
Os requisitos do aval em nota promissória estão previstos na Lei Uniforme de
Genebra (art. 31), à qual o Brasil aderiu (Decreto 57.663/66), e dentre eles não
consta a obrigatoriedade da outorga conjugal para sua validade.
No mesmo sentido veio a regulamentação do art. 898 do atual Código Civil, instituído
pela Lei n.10.406 de 10/01/2002:
“Art.898. O aval deve ser dado no verso ou no anverso do próprio título.
§1º Para a validade do aval, dado no anverso do título, é suficiente a simples assinatura
do avalista.
§2º Considera-se não escrito o aval cancelado.”
Merece destaque a previsão do Código de Processo Civil de 2015, no texto do seu
artigo 843, ao tratar da penhora e consequente leilão de bens indivisíveis, onde há
expressa proteção legal à cota parte do coproprietário e ou à meação do cônjuge,
quando não são devedores.
Embora o legislador não proíba a venda judicial do bem indivisível, veio assegurar
sua cota parte no resultado da arrematação, e mais, garantiu seu direito em
percentual que incide sobre o valor da avaliação judicial do bem indivisível, e não do
valor da arrematação que, em segundo leilão pode chegar a 50% do valor da
avaliação oficial.
“Art.843. Tratando-se de penhora de bem indivisível, o equivalente à quota-parte do
coproprietário ou do cônjuge alheio à execução recairá sobre o produto da alienação do
bem.
§ 1º. É reservada ao coproprietário ou ao cônjuge não executado a preferência na
arrematação do bem em igualdade de condições.
§ 2º. Não será levada a efeito expropriação por preço inferior ao da avaliação na qual o
valor auferido seja incapaz de garantir, ao coproprietário ou ao cônjuge alheio à execução,
o correspondente à sua quota-parte calculada sobre o valor da avaliação.
Contudo, a obrigatoriedade, ou não, de outorga uxória, ou marital, para o instituto do
AVAL exige ser analisado em face da espécie do título de crédito, se Título de
Crédito Atípico ou Título de Crédito Nominal, Típico; visto a evidente discrepância
da regulamentação do Código Civil em face da previsão da LUG – Lei Uniforme de
Genebra e da legislação especial que regem os títulos de crédito.
Regulamentando o tema, o eg. Superior Tribunal de Justiça, por sua Quarta
Turma, no julgamento do Recurso Especial – REsp.1.633.399/SP, de relatoria do
Ministro Luis Felipe Salomão, publicado DJe.01/12/2016, dirimiu divergências que
vinham ocorrendo na doutrina e na jurisprudência dos Tribunais, e até mesmo no
seio do STJ, quanto a extensão do conteúdo da regulamentação do Código Civil ao
impor a obrigatoriedade da outorga uxória no AVAL, e seus efeitos, ante a
discrepância desta regulamentação em face da previsão da LUG – Lei Uniforme de
Genebra e da legislação especial que regem os títulos de crédito.
Válido destacar dos fundamentos do referido Acórdão, proferido no Recurso
Especial n.1.633.399/SP:
“1…..
2. Diversamente do contrato acessório de fiança, o aval é ato cambiário unilateral,
que propicia a salutar circulação do crédito, ao instituir, dentro da celeridade necessária
às operações a envolver títulos de crédito, obrigação autônoma ao avalista, em benefício
da negociabilidade da cártula. Por isso, o aval “considera-se como resultante da simples
assinatura” do avalista no anverso do título (art. 31 da LUG), devendo corresponder a ato
incondicional, não podendo sua eficácia ficar subordinada a evento futuro e incerto,
porque dificultaria a circulação do título de crédito, que é a sua função precípua.
3. É imprescindível proceder-se à interpretação sistemática para a correta compreensão
do art. 1.647, III, do CC/2002, de modo a harmonizar os dispositivos do Diploma civilista.
Nesse passo, coerente com o espírito do Código Civil, em se tratando da disciplina dos
títulos de crédito, o art. 903 estabelece que “salvo disposição diversa em lei
especial, regem-se os títulos de crédito pelo disposto neste Código”.
4. No tocante aos títulos de crédito nominados, o Código Civil deve ter uma aplicação
apenas subsidiária, respeitando-se as disposições especiais, pois o objetivo básico da
regulamentação dos títulos de crédito, no novel Diploma civilista, foi permitir
a criação dos denominados títulos atípicos ou inominados, com a
preocupação constante de diferençar os títulos atípicos dos títulos de crédito
tradicionais, dando aos primeiros menos vantagens.
5. A necessidade de outorga conjugal para o aval em títulos inominados – de livre criação
– tem razão de ser no fato de que alguns deles não asseguram nem mesmo direitos
creditícios, a par de que a possibilidade de circulação é, evidentemente, deveras mitigada.
A negociabilidade dos títulos de crédito é decorrência do regime jurídico-cambial, que
estabelece regras que dão à pessoa para quem o crédito é transferido maiores garantias
do que as do regime civil.
6. As normas das leis especiais que regem os títulos de crédito nominados, v.g., letra
de câmbio, nota promissória, cheque, duplicata, cédulas e notas de crédito, continuam
vigentes e se aplicam quando dispuserem diversamente do Código Civil de
2002, por força do art.903 do Diploma civilista. Com efeito, com o advento do Diploma
civilista, passou a existir uma dualidade de regramento legal: os títulos de crédito típicos
ou nominados continuam a ser disciplinados pelas leis especiais de regência, enquanto os
títulos atípicos ou inominados subordinam-se às normas do novo Código, desde que se
enquadrem na definição de título de crédito constante no art. 887 do Código Civil.
7. Recurso especial não provido.”
Em suma, o Superior Tribunal de Justiça pacificou a jurisprudência dos Tribunais
Estaduais e Federais quanto aos efeitos da outorga uxória no aval, estabelecendo
que, com a entrada em vigor do Código Civil de 2002 passou a existir uma dualidade
de regramento legal: os títulos de crédito típicos ou nominados que continuam a
ser disciplinados pelas leis especiais de regência, enquanto os títulos atípicos ou
inominados estão subordinados às normas do Código Civil de 2002, desde que se
enquadrem na definição de título de crédito constante no art. 887 do Código Civil.
Destacou-se a importância dos títulos de crédito para o comércio jurídico, apontando
suas características próprias, como a cartularidade (literalidade), a autonomia e
a abstração, bem como os demais institutos cambiários típicos, tal qual o aval e
o endosso, que distinguem o direito cambiário.
Características típicas que buscam garantir segurança jurídica aos
títulos de crédito, tornando-os mais atrativos e favorecendo a concessão de crédito,
fundamental para o desenvolvimento da atividade empresarial.
O aval é declaração unilateral de vontade do avalista em garantir o pagamento do
valor inscrito no título, sendo instituto comercial lançado apenas em títulos de crédito,
diferentemente da fiança, que é contrato e poderá ser celebrada em relação a
qualquer negócio. A submissão da validade do aval à outorga do cônjuge do
avalista compromete a circulação dos títulos de crédito.
O portador do título de crédito em circulação, em regra, sequer teve contato com os
avalistas (devedores solidários com os endossantes) na cadeia de endossos na
circulação da cártula, assim, a teor do Art.32 da LUG, eventuais alterações materiais
6
ou pessoais não geram sua desoneração, remanescendo a obrigação cambial do
avalista ainda que nula a obrigação principal (à exceção de nulidade por vícios
formais no título).
Como visto, a interpretação do art. 1647, inciso III, do Código Civil que concilia com
o instituto cambiário do aval, e às peculiaridades dos títulos de crédito, é a de que
as disposições do referido dispositivo tem aplicação apenas aos avais prestados nos
títulos de crédito regidos pelo próprio Código Civil – os Títulos de Crédito Atípicos,
não se aplicando aos títulos de crédito nominados – os Títulos de Crédito Típicos
regrados pelas leis especiais, pois as características do direito cambiário não
preveem semelhante disposição, ao contrário, estabelecem a sua independência e
autonomia em relação aos negócios subjacentes.//
Jurandyr Souza Junior
Consultor Jurídico da ACREF PR e SINFAC PR.
Advogado – OAB/PR.76683 – 1ª.OAB/PR 8491
Consultor Jurídico – Parecerista – Professor Pós-Graduação
Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Paraná
sócio de PENNACCHI SOUZA Sociedade de Advogados – OAB/PR 5952


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