O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em sua jurisprudência, ao trata do tema inerente a validade da cessão civil de crédito pro solvendo tem aplicado tratamento diferenciado em face da natureza jurídica das empresas de Factoring para com os FIDCs – Fundos de Investimento em Direitos Creditórios.
Em consequência, o STJ firmou entendimento pela validade dacessão de crédito pro solvendo nos contratos firmados pelos FIDCs – Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios, em havendo cláusula expressa de regresso ante a insolvência.
Vale destacar recente decisão do STJ no julgamento do Recurso Especial -REsp.1.909.459/SC, que foi Relatora a Ministra Nancy Andrighi, em decisão unânime da Terceira Turma, julgado em 18/05/2021, publicado no DJe 20/05/2021:
CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. FUNDO DE INVESTIMENTO EM DIREITOS CREDITÓRIOS. CESSÃO DE CRÉDITO PRO SOLVENDO. CLÁUSULA CONTRATUAL QUE ESTIPULA A RESPONSABILIDADE DO CEDENTE PELA SOLVÊNCIA DO DEVEDOR. VALIDADE.
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2. O propósito recursal é dizer sobre a validade da cláusula contratual inserida em contrato de cessão de crédito celebrado com um FIDC que consagra a responsabilidade do cedente pela solvência do devedor.
3. Os FIDCs são regulamentados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que editou a Instrução Normativa 356/2001, e são constituídos sob a forma de condomínios abertos ou fechados (art. 3º, I, da IN 356/2001 da Edição nº 0 – Brasília, Documento eletrônico VDA29853402 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): Ministro Antonio Carlos Ferreira Assinado em: 30/08/2021 12:01:57 Publicação no DJe/STJ nº 3222 de 31/08/2021. Código de Controle do Documento: 96c8a5c9-31e9-41a7-a878-202c69f83f25 CVM), sem personalidade jurídica. Eles atuam no mercado de capitais e são utilizados para a captação de recursos. As empresas de factoring, por sua vez, são sociedades empresárias que não exercem qualquer interferência no mercado financeiro.
4. A aquisição de direitos creditórios pelos FIDCs pode se dar de duas formas: por meio (i) de cessão civil de crédito, em conformidade às normas consagradas no Código Civil; ou (ii) de endosso, ato típico do regime cambial.
5. O art. 2º, XV, da IN CVM 356/2001 prevê expressamente o conceito de coobrigação. É certo que tal previsão foi incluída na normativa com a finalidade de referendar a higidez da cláusula constante de contrato de cessão de crédito convencionado com um FIDC, por meio da qual o cedente garante a solvência do devedor. Não só, não há, no ordenamento jurídico brasileiro, previsão legal que vede os FIDCs de estipular a responsabilidade do cedente pelo pagamento do débito em caso de inadimplemento do devedor e, segundo dispõe o art. 296 do CC/02, o cedente ficará incumbido do pagamento da dívida se houver previsão contratual nesse sentido.
6. É válida, assim, a cláusula contratual por meio da qual o cedente garante a solvência do devedor originário.
7. Recurso especial conhecido e provido.
* grifos nossos.
Oportuno tecer alguns comentários sobre o tema da cláusula de regresso vinculada a solvência do devedor originário.
Como visto, a jurisprudência do STJ é uníssona quanto a validade da estipulação contratual de cláusula expressa de regresso vinculada ao vício de origem do crédito, do título, afastando a ilicitude da origem; quer para as empresas de Fomento Comercial – Factoring, quanto para as Securitizadoras e para os FIDCs.
No que tange aos contratos firmados pelos FIDCs comungo dos fundamentos que norteiam a citada decisão do STJ, que, ao tratar da cessão civil de crédito pro solvendo, firma a validade da cláusula contratual que estipula a responsabilidade do cedente pela solvência do devedor originário.
O mesmo entendimento tem sido externado pelo STJ para tais operações realizadas pelas Securitizadoras, validando a cláusula de regresso pro solvendo.
Divirjo, contudo, da posição que vige majoritária no STJ quando nega o direito às empresas de Fomento Comercial – Factorings convencionarem em seus contratos de cessão de crédito a cláusula de regresso em que o cedente garanta a solvência do devedor originário; a cessão de crédito pro solvendo.
Ocorre que, tal qual nos contratos firmados pelas Securitizadoras e pelos FIDCs, também nas relações contratuais de cessão e crédito firmadas pelas empresas de Factoring, não há, no ordenamento jurídico brasileiro, previsão legal que vede as FACTORINGs de estipular a responsabilidade do cedente pelo pagamento do débito em caso de inadimplemento do devedor.
Da mesma forma, não há vedação legal aplicar nos Contratos de Factoring a regra do art. 296 do Código Civil, pelo qual o cedente, se houver previsão contratual expressa, garanta a solvência do devedor originário.
Factoring é uma atividade comercial, mista e atípica, que soma a compra de ativos financeiros à prestação de serviços, sendo destinada exclusivamente às Pessoas Jurídicas, principalmente as pequenas e médias empresas. Para realizar suas operações a Factoring depende exclusivamente de capital próprio.
O Factoring não é uma atividade financeira. A empresa de Factoring não pode fazer captação de recursos de terceiros, nem intermediar para emprestar estes recursos, como os bancos, não podendo descontar títulos nem fazer financiamentos.
A operação de Factoring é um mecanismo de fomento mercantil que possibilita à empresa fomentada vender seus créditos, gerados por suas vendas a prazo, a uma empresa de Factoring. O resultado disso é o recebimento imediato desses créditos futuros pela empresa faturizada (cliente), o que aumenta seu poder de negociação, como, nas compras à vista de matéria-prima, pois a empresa não se descapitaliza.
A Factoring também pode prestar serviços à empresa cliente, em outras áreas administrativas, desde que especificamente contratado, deixando o empresário com mais tempo e recursos para produzir e vender.
Contudo, no mercado brasileiro o Factoring é mais atuante na modalidade convencional, que é a compra dos direitos de créditos das empresas fomentadas, através de um contrato de fomento mercantil.
Na contrato de Factoring a empresa Faturizadora é remunerada pela empresa Faturizada (cliente) ante a cobrança do fator.
O fator representa a precificação da compra de créditos e nele estão computados todos os itens de custeio de uma empresa de fomento comercial, resultando no diferencial entre o valor de face e o valor de aquisição dos títulos negociados.
Inconsistente, assim, o fundamento de que é da natureza jurídica das empresas de Factoring “assumir o risco da solvência do credor originário”, ante a premissa de que ao adquirirem o crédito realizam a cobrança do fator.
Como exposto, não há previsão legal que determine que as empresas de Factoring, em face da sua modalidade contratual e sua natureza jurídica, devam assumir o risco da solvência do credor originário, coibindo a cláusula contratual expressa de regresso pro solvendo.
Tal interpretação jurídica, entendo, como muitos, fere a regra insculpida no Art.296 do Código Civil, pela qual, “havendo estipulação contratual o cedente responde pela solvência do devedor”, norma aplicável sim aos contratos de Factoring, frente a inexistência de normatização proibitiva.
De outro prisma, a interpretação do Poder Judiciário em proibir a cláusula de regresso pro solvendo nas operações de Factoring, resulta em intervenção no Mercado que gera indireto aumento no custo das operações, encarecendo o fator aplicado na operação pela Factoring, ante o evidente aumento do risco na operação, e, consequentemente, onerando o próprio cliente – a empresa faturizada que necessita do crédito, assim inflacionando o crédito no mercado.
A formação do preço de venda de qualquer produto disponível no mercado é essencial para o sucesso dos negócios, e no setor de factoring não é diferente, pois está associado a oferta e ao nível de risco/segurança da operação.
Jurandyr Souza Junior – Consultor Jurídico da ACREF PR e do SINFAC PR.
Advogado – OAB/PR 76683 – 1ª. OAB/PR 8941
Sócio do Escritório PENNACCHI SOUZA Sociedade de Advogados – OAB/PR 5952