Pela extinção do IOF

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26 de abril de 2022

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No dia 15 de março, o presidente Jair Bolsonaro assinou decreto que reduziu escalonadamente o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) nas operações cambiais, até que se atinja zero em 2029. A medida é parte dos compromissos assumidos pelo Brasil para ser admitido na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que não aceita essaincidência em seus países-membros. A renúncia de receita será de R$ 7,7 bilhões por ano, a partir de 2029. Logo depois, eliminou-se o tributo nas operações de combate à escassezhídrica, com perdas de R$ 188 milhões.
Na verdade, é hora de aproveitar a oportunidade para extinguir o IOF, o que poderia ser feito em dez anos com redução linear em cada exercício. O tributo é grande gerador de ineficiências na economia brasileira. Sua arrecadação em 2021 foi de R$ 48,6 bilhões. Assim, a redução gradual poderia ser feita sem danossérios à situação fiscal. Os benefícios superariam de longe os custos.
O IOF foi criado na reforma tributária de 1965 (emenda constitucional 18 à Constituição de 1946), em substituição ao imposto do selo. Diz-se que Octavio Gouveia de Bulhões e Roberto Campos, ministros da Fazenda e do Planejamento, respectivamente, detestavam aquele imposto. Foram eles que propuseram a reforma. Eles resolveram que seria conveniente mantê-lo de forma limitada com fins extrafiscais, talvez porque a renúncia de arrecadação fosse relativamente alta.
Arrecadação do IOF, que girava em torno de 1,3% da receitaanual federal, saltou para 3% e tem-se mantido em torno disso O IOF serviria para intervenções na economia e para tributaroperações cambiais, de crédito e de seguros – todos de efeitos econômicos perversos. Sua receita constituiria reserva monetária no Banco Central. Até a Constituição de 1988, o IOF era regulado pelo Conselho Monetário e arrecadado pelo Banco Central.
O imposto acabou virando uma incidência arrecadatória, violando seu objetivo original. De fato, imediatamente após a extinção da CPMF pelo Congresso (2007), o governo Lula criou uma alíquota de 0,38%, a mesma que incidia nas operações antes tributadas pela CPMF. Foi um desrespeito ao Parlamento e à sociedade. O imposto passou a ser cobrado também na compra de moedas estrangeira por viajantes e nas aquisições de bens e serviços no exterior, via cartões de crédito A arrecadação, que girava em torno de 1,3% da receita anual da União, saltou para 3% e tem-se mantido em torno disso nos últimos anos.
O imposto do selo era uma incidência primitiva e causadora de distorções, que não podia ser admitida em um sistema tributário moderno. Paraíso da complexidade, o Brasil se adaptou bem ao IOF. É o que diz Isaías Coelho, um de nossos melhores tributaristas, que tem experiência como fiscal de tributos federais, chefe da divisão de política tributária do Fundo Monetário Internacional e profissional no ensino e na pesquisa acadêmica.
O imposto do selo foi criado em Veneza, em 1604. A Espanha o adotou em 1610 e a Holanda seguiu o exemplo em 1620, curiosamente para financiar a luta de independência contra o invasor, a mesma Espanha. Em seguida, o imposto foi estabelecido em outros países europeus, tais como França
(1651), Dinamarca (1657), Prússia (1682) e Inglaterra (1694).
O imposto do selo deu origem à Guerra de Independência dos Estados Unidos. O Parlamento do Reino Unido havia autorizado sua cobrança nas importações de chá da China pelas colônias americanas. O objetivo era compensar os custos incorridos pela Coroa Britânica na guerra travada contra a França na América (uma extensão da Guerra dos Sete Anos na Europa). Alegava-se que a derrota dos franceses havia livrado os colonos de ter seus imóveis confiscados por uma potência estrangeira. Seria justo, desse modo, que eles participassem do esforço de recuperação fiscal da metrópole. Os colonos não aceitaram a ideia.
Criou-se, então, o movimento Tea Party, que no dia 16 de dezembro de 1773 invadiu os navios carregados de chá e o lançou na Baía de Boston. A dura reação do governo britânico seria o gatilho que detonaria a Revolução Americana – iniciada em 1775 – e a Declaração de Independência de 1776.
O imposto do selo tem fortes raízes históricas, mas hoje vigora em poucos países, na transferência de imóveis, inibindo o mercado imobiliário. Nos Estados Unidos, continua a ser cobrado emalguns Estados.
No Brasil, o imposto foi criado em 1942. Era arrecadado por meio de estampilhas, que eram coladas em recibos e documentos legais. Depois, veio o imposto da Educação e Saúde, que adotava o mesmo procedimento. A assinatura era aposta sobre os selos. Quem exercia atividades profissionais antes da extinção do imposto (caso deste escriba) lembra-se do trabalho que dava colar as estampilhas e do incômodo de assinar por cima delas. Mais tarde, criou-se o pagamento por averbação, o que dispensava a colagem das estampilhas, mas a burocracia continuou.
Seu substituto, o IOF, é parte dos custos que impactam na produtividade da economia e limitam a expansão do potencial de crescimento do PIB. Sua incidência nas operações de crédito contribui para aumentar o spread bancário, que é o maior do mundo depois de Madagascar. O tributo é cobrado mesmo em operações de crédito realizadas fora do sistema financeiro, como é o caso de financiamentos entre empresas e nos empréstimos que elas tomam dos sócios.
O Brasil se tornou prisioneiro da armadilha da renda média, o que se deve ao baixo crescimento da economia e da renda per capita nas últimas décadas. São muitas as causas da tragédia – da má qualidade da educação ao excessivo fechamento da economia, passando pela complexidade e pelos custos do sistema tributário. Vem daí, em grande parte, a estagnação da produtividade, que é a principal fonte de geração de emprego, renda e riqueza de um país.
O Brasil não voltará a aspirar a integrar o grupo dos países ricos sem reformas que ataquem e resolvam as principais causas de nosso fracasso nessa área. A extinção do IOF seria um passo
modesto, mas simbolicamente importante.

Por : Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda, é sócio da Tendências Consultoria.

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